LANÇAMENTO DE “PILOTO DE GUERRA”, A0 LADO DE NOVAS EDIÇÕES
DO CLÁSSICO “O PEQUENO PRÍNCIPE", MOSTRA QUE
SAINT-EXUPERY
NÃO FOI AUTOR DE UMA OBRA SÓ
For
Mario Bresighello
O
sucesso de "0 Pequeno Príncipe” parece não ter fim, ainda mais agora que o
livro caiu em domínio público e as editoras oportunamente lançam novas traduções
para disputar espago nas listas de mais vendidos. As edições mais recentes —da
Zahar, da Companhia das Letrinhas e da Autêntica (com tradução de Gabriel
Perissé, resenhado no “Guia” de 30 de maio de 2015) — valorizam o texto com posfácios
e apêndices que explicam a génese do mito. A da Companhia das Letrinhas tem um apêndice
com fotos, redigido pela tradutora M6nica Cristina Corrêa, e as informações irão
encantar quem já conhece o livro e informar o novato.
Tanta
evidência pode, entretanto, condenar seu autor, o escritor francês Antoine de Saint-Exupéry
(1900-1944), ao papel de autor de uma obra só. Quando escreveu esse que veio a
ser o livro de cabeceira de tanta gente, ele já era um piloto—escritor famoso.
Como sua obra é toda marcada pela profunda relação com o cotidiano da aviação, é
muito difícil dissociar o escritor de suas experiências nos céus.
De
família aristocrática, católica e tradicionalista, ele sempre quis ser
desenhista, mas em 1921 descobriu o avião. Pouco depois, se tornaria um dos
pioneiros da aviação civil, como um dos responsáveis pela implantação do
sistema de entrega de correspondência via aérea, com passagens inclusive pelo
Brasil, onde ganhou o carinhoso apelido de “Zeperri”. Dizem, até, que por aqui
deixou sementes de baobás hoje frondosos.
A
profissão lhe propiciou experimentar múltiplas aventuras e riscos, aos quais se
juntaram a vivência da liberdade e a busca da identidade, como fica claro nos
livros que escreveu. Seu livro de estreia é “0 Aviador", publicado em
1926, mas Saint Exupéry ficou. Conhecido com: “Correio Sul” (1928) e, mais
tarde, com “Terra dos Homens" (1939), um relato escrito durante o período
de convalescença depois de sofrer um grave acidente aéreo.
A
eclosão da Segunda Guerra Mundial, em 1939, põe um ponto final em sua carreira
civil. Alistou-se, então, na aeronáutica militar francesa e passou a exercer missões
militares em que fotografava, de seu avião, as regiões invadidas pelos alemães.
Após a queda e a subsequente ocupação da Franga pelo poderio militar nazista,
ele parte para os Estados Unidos. O motivo “oficial” da viagem seria receber um
prémio por “Terra dos Homens", que fora traduzido no pais, mas, de fato,
ele queria aproveitar sua popularidade para tentar convencer os americanos a
intervirem no conflito. Seu plano inicial era ficar duas semanas e acabou permanecendo
quase dois anos.
Foi
durante esse período que concebeu sua obra mais célebre e também “Piloto de Guerra”,
que ora retorna numa nova tradução sob os cuidados de Monica Cristina Corréa, especialista
na obra do autor. O livro, dedicado a narrar a experiência trágica da derrota
francesa, é um relato vibrante dos voos de reconhecimento sobre a cidade de Arras,
na fronteira da Franga com a Bélgica, em que se sacrificavam “tripulações como
se jogassem copos d'égua no incêndio de uma floresta". É um livro-relato
em que os fatos misturam-se com as lembranças da infância do narrador-piloto,
pois, para ele, esse é o único caminho possível para aliviar o sofrimento.
A
obra tem em comum com o “0 Pequeno Príncipe" o fato de ser um “livro de
guerra". Em ambos, há o mesmo movimento em relação ao conflito. A diferença
é que, no primeiro, o autor nos oferece um relato realista, enquanto o segundo
é uma fábula que “ilumina com luz indireta". A trama desse livro ilustrado
quase todo mundo já conhece: um aviador que tem de fazer um pouso forçado no
deserto se encontra com um menino vindo do asteroide B-612.
E
um planeta minúsculo com três vulcões em que germinam sementes de uma planta
perigosa, os baobás.
Ele
vive sozinho com uma rosa que tosse, germinada de uma semente trazida sabe-se lá
de onde. Mas ela lhe dá tanto trabalho e gera tantas dúvidas, que ele se aproveita
de uma migração de pássaros e parte para visitar outros asteroides, cada um
habitado por um personagem adulto caracterizado por um tipo de mania. E o
último deles, um geografo, quem lhe sugere visitar a Terra. Ele aterrissa, então,
no Saara, onde encontra uma cobra e uma raposa.
Saint-Exupéry
decidiu também ilustrar sua fabula. Pedia aos amigos para posarem para ele de
dia, fazia os desenhos com lápis-aquarela e escrevia o texto a noite. Eles ficaram
mais famosos do que o romance. O enorme sucesso de “0 Pequeno Príncipe" -
extrapola o âmbito da literatura. Ao mesmo tempo, impede que o vejamos além dos
“excertos que ganharam a redundância dos clichês".
O
autor não pode ver o fenômeno em que seu livro se transformou, pois, desapareceu
no mar Mediterrâneo durante uma missão de reconhecimento, provavelmente abatido
por um caga alemão. Em 6 de abril de 1943, o livro foi lançado em Nova York em inglês
e, numa tiragem menor, em francês. Só em 1946 foi publicado na França. A recepção
critica, a época do lançamento, foi positiva nos Estados Unidos, mas nem de
longe prenunciava a celebridade que resiste a passagem de tantas gerações. Dentre
as primeiras reações, destaca-se a da escritora australiana Pamela Travers,
autora de “Mary Poppins” (1934), que ainda hoje continua valendo: “Seria um livro
para crianças? Não que isso importe, pois, crianças são como esponjas. Elas se embebem
da matéria dos livros que leem, compreendendo-nos ou não".
26
de setembro de 2015 [Guia Folha] 7
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